As reformas pombalinas tentaram impor um novo modo de enfrentar a mestiçagem de índios com não índios, ao garantir que nenhuma infâmia re- cairia sobre os contraentes portugueses e seus descendentes. O objetivo era homogeneizar, do ponto de vista étnico, cultural e das lealdades políticas, a população colonial, especialmente os descendentes dos casamentos mistos. Mas a documentação coligida aponta para o relativo fracasso dessa tentativa, pois novas clivagens de “cor” e de mistura de “sangue” surgiam na prática e no discurso social. Afinal, no campo discursivo do ouvidor, Leandro era um “par- do”, mestiço de pai pardo e mãe índia. Segundo as regras e valores classifica- tórios do ouvidor, apenas deveriam ser considerados “índios” homens e mulheres nascidos de pais e mães indígenas. Assim, Leandro deixou suposta- mente de ser índio; não foi equiparado aos “portugueses” no discurso do ou- vidor, como prometia o espírito das leis pombalinas; e, na nova qualidade de “pardo”, ingressava numa escala de hierarquização social muito mais instável e nebulosa que a dos portugueses e a de seus parentes considerados índios, cujos direitos e obrigações estavam mais claramente assentados no corpo nor- mativo lusitano.
Texto: http://www.scielo.br/pdf/rbh/v35n70/1806-9347-rbh-2015v35n70006.pdf